22 de agosto de 2013

Parte 4 - A parte, o todo.

       Sim, voltei, quase dois meses depois da última publicação... Demorou mas saiu.. fiquem com a parte 4 de Eillen!




         _Eillen, o que você está fazendo? Já achou a pista que deixei?
        _Não papai, por mais que eu olhe, não vejo nada diferente aqui... aposto que é uma piadinha né, não mudou nada e vai me deixar olhando por dias só para dizer que me enganou...
         Jeremiah abriu um pequeno sorriso, e se aproximou de onde Eillen estava sentada, com os pés balançando ao vento, enquanto procurava a pista na estante da sala. Ela sempre fora mais paciente que o normal, apesar de ser uma criança ainda, mas tinha seus rompantes.
        _Minha filha, não, não estou te enganando. Nunca duvide de quando eu disser algo. Se eu disse que existe uma pista na estante, é porque existe.
        _Mas eu não consigo encontrar...
        _e como você está procurando?
        _Ora, olhando né, não toquei em nada, e estou tentando ver o que pode estar diferente de ontem... mas tudo me parece no mesmo lugar, do mesmo jeito, nada diferente. Observei item a item, prateleira a prateleira, mas nada parece errado ali...
         _Certo. Então olhando cada detalhe possível, você não encontrou a pista. Onde foi que eu disse que estava a pista?
         _Na estante.
         _Então quem sabe se você olhar a estante toda, ao invés de cada parte dela, será que vai mudar alguma coisa?
         Naquele momento Eillen respirou forte. É claro, ela se apegou aos detalhes, como sempre, e não percebeu aquilo que estava mais nítido. Observou atentamente a estante, tentando englobar em seu olhar toda sua extensão e altura, mas percebeu que estava perto demais. Desceu da cadeira alta e se afastou alguns passos, depois mais alguns, e mais alguns ainda, até que se deu por satisfeita, quase fora da sala. De onde estava, não era possível distinguir alguns objetos, outros ficavam ocultos pelas sombras, os livros se embaralhavam, os retratos se tornavam espelhos. A estante, no entanto, estava completamente visível, de forma que Eillen permaneceu vários minutos de olhos vidrados, e finalmente, finalmente conseguiu descobrir a pista.
         A estante era grande, de madeira trabalhada, dividida em 3 colunas, sendo que a do meio era maior que as outras duas juntas. A coluna central continha três grandes gavetas e sobre elas, três pequenas gavetas uma ao lado da outra, e mais duas prateleiras no espaço restante. As duas colunas das extremidades eram divididas em 8 prateleiras de tamanhos iguais. Olhando assim, a distância, era possível perceber um desenho na madeira trabalhada, e este seguia apenas um sentido em todas as gavetas e prateleiras. Exceto uma. Ao fixar o olhar, Eillen notou que a inclinação do desenho daquela prateleira estava levemente desalinhada. Com um grito de triunfo, ela correu até a prateleira (pegando um banquinho no meio do caminho, já que ficava muito alta para ela), enquanto Jeremiah fazia de conta que não tinha percebido.
         Primeiro ela achou que a prateleira estava mal apoiada, e tentou corrigir, mas ao levantar-la, constatou que todos os quatro apoios estavam ali, bem firmes e no lugar certo. Depois imaginou que o pai tivesse invertido a prateleira, então a virou e recolocou no lugar, mas o desenho perdeu completamente o sentido assim. Então tentou ainda girar a peça para ver se uma das laterais tinha o desenho certo, mas nenhuma delas exibia desenho algum. Voltou a posicionar a prateleira corretamente. Olhou as outras para ver se alguma poderia ser trocada, mas todas estavam perfeitas. Se aproximou até o nariz quase encostar na madeira e com um olhar minucioso, percorreu cada milimetro do desenho. Achou uma elevação estranha, e passou o dedo. Imediatamente o desenho despencou da prateleira.
          Eillen se assustou a principio. Achou que tivesse estragado tudo e olhou para o pai, mas este permanecia estoicamente distraído em seus afazeres. Olhou do desenho caído para o pai e deste para a prateleira. Só então percebeu que na verdade o desenho estava ali. O verdadeiro desenho permanecia na madeira, e alinhado. O que caíra certamente era a pista!!!
          _Encontrei, pai, encontrei a pista... que legal... e agora?
           Jeremiah abriu os braços bem na hora que Eillen pulava para um abraço de ursinho, e não pode deixar de sorrir com a animação da menina. Pegou a faixa e começou a desdobrá-la, até que uma figura estranha apareceu.
          _Sabe o que isso significa? Esta figura?
          _Não.
          _Significa que todas as coisas estão lá, seja numa pequena parte, seja no todo, se buscarmos, o fim levará ao começo.
          _Hein?
          _Um dia você vai entender, mas agora me diga, o que aprendeu procurando esta pista?
          _Hmmm, que nem sempre é nos detalhes que as coisas importantes estão?
          _Muito bem, isso é uma parte, mas tem mais duas lições: as vezes o todo tem mais detalhes do que a parte.
          _Ah, entendi, no caso, quando olhei parte por parte da estante, não vi o que precisava, só quando olhei tudo junto que vi...
          _Isso mesmo, e outra coisa: as vezes, para se ver o todo, é necessário se afastar.
          _Sim, eu vi que se ficasse muito perto, não dava para ver todas as partes da estante juntas...
          _Exatamente! Então, no próximo jogo, lembre destas lições, elas vão te ajudar. Agora vá tomar banho, logo vamos jantar.

          O sol já havia percorrido metade do seu caminho quando Eillen sentou repentinamente em sua cama. As poucas horas de sono foram reveladoras. Ligou o computador e observou a primeira imagem.
          Sim, era igual ao desenho da prateleira. O que era mesmo que significava? “ todas as coisas estão lá, seja numa pequena parte, seja no todo, se buscarmos, o fim levará ao começo” . Eillen ainda estava meio surpresa com o fato de lembrar disso, já que tinha 6 anos quando aconteceu, mas ao mesmo tempo ficou intrigada. Aquela fora a única vez que vira a figura. E a única vez que o pai falara sobre ela. Tanto que nunca mais havia voltado a sua memória até este momento.

10 de julho de 2013

Parte três - A Pista


“É isso! A pista está no livro”... Eillen puxou o livro e um tremor violento sacudiu a casa toda. O tremor foi tão longo que vários livros começaram a despencar, e ela se apressou para sair da biblioteca, mas antes de chegar na sala o tremor parou. Respirando forte pelo susto, esperou que o tremor recomeçasse, mas como nada aconteceu, despencou no sofá mais próximo e ali ficou, enquanto recuperava o ritmo normal dos batimentos cardíacos, e só então percebeu que ainda estava com o livro na mão.

O livro tinha capa de couro vermelho, não continha titulo, nenhuma informação na lombada, nada na contracapa. As páginas eram amareladas, mas não tinham nenhum sinal de má conservação, apenas a coloração da passagem do tempo. Eillen, que sempre fora detalhista e curiosa, nunca notara o livro na biblioteca, o que a fez concluir que ele deveria estar a pouco tempo no local. Começou a folhear o livro, e nas primeiras páginas não havia nada escrito. Apenas algumas figuras. Eillen continuou a olhar página por página, mas todas continham figuras, sendo que não havia um padrão de forma, ou de frequência, ou de tamanho, ou de posição na página, nada... tentou examinar de traz para frente, com o livro na horizontal, na sequência das páginas pares e depois nas impares, mas nada parecia dar sentido e mostrar a próxima pista de Jeremiah.


Eillen logo ficou entediada, e já estava cansando desta brincadeira de alternar altas doses de adrenalina e longos períodos de marasmo. Ficou olhando para o livro fechado enquanto montava um sanduíche, e percebeu que os grupos de páginas da brochura estavam com tamanhos diferentes, quando no geral eram sempre iguais. Havia seis grupos de páginas, sendo que cada grupo tinha um tamanho, e consequentemente, um número de páginas diferentes. Aquilo parecia estranho, e o sanduíche ficou esquecido enquanto Eillen pegava o livro e seguia para o quarto às pressas, levando a faca que utilizava para cortar o pão.

 
Já acomodada na cama, abriu o livro, localizou o centro do primeiro grupo de páginas e cuidadosamente começou a cortar a costura. Ao terminar, contou as páginas, colocou um post it com o número e partiu para o segundo grupo. Assim, terminou com seis grupos de páginas sobre a cama. Os grupos foram dispostos por ordem crescente de número de páginas. Pegou o primeiro grupo, espalhou as páginas pela cama e ficou observando as figuras. Como as páginas não eram numeradas, ela foi reorganizando as figuras, procurando uma lógica. Virou e desvirou todas e repetiu o processo várias vezes, até que conseguiu encontrar uma lógica. Fotografou a frente e o verso da imagem que se formou, numerou cada página para não perder a ordem, juntou as páginas e passou para o próximo grupo.


A noite passou e ao nascer do sol, Eillen tinha os seis grupos ordenados, que formavam doze grandes imagens. Passou as fotos para o computador, mas preferiu analisar depois de algumas horas de sono.

1 de julho de 2013

Parte 2


              Enquanto Eillen observava, a lancha se aproximou e parou em um ponto aleatório, ainda longe da praia, mas próximo o suficiente para que ela percebe um rapaz se inclinando e retirando um objeto do interior de uma bolsa. Ele se endireitou e olhou para Eillen, que o encarava. Ficaram assim por alguns segundos, até que ele levantou uma pistola e mirou. O disparo veio logo depois.

             Eillen não conseguia acreditar na audácia do rapaz em querer tirar sua vida justo onde não haveria ninguém para tentar salvá-la, ou chorar por ela, ou buscar vingança, ou o que fosse. Talvez quando o pai voltasse, seu corpo já teria sido levado pela maré alta, ou comido pelas aves, ou simplesmente degradado ao ponto de não ser mais reconhecível. Talvez ela não morresse, mas ficasse gravemente ferida, e definhasse de dor enquanto tentava sem sucesso a própria cura, e quando a encontrasse, seria obrigado a amputar uma perna ou braço, ou a sacrificá-la para não sofrer mais... “Que absurdo!”

             Eillen aguardou o impacto do tiro encarando altivamente o rapaz. Nunca fora de mostrar fraqueza e não seria agora que perderia esta prática. Mas o impacto não ocorreu. A bala acertou um banco de areia próximo, e na fração de segundo em que ela se virou para olhar local e tornou a encarar a lancha, a mesma já se afastava a toda velocidade.

               _Covarde! Atira em uma pessoa indefesa e foge depois de errar o alvo...

             Mas Eillen estava perplexa. Não havia como errar aquele tiro. A distância era pequena, não havia obstáculos, ela estava parada. Decidiu dar uma olhada no local e percebeu que a bala não chegou a sumir na areia. Na verdade não se parecia em nada com uma bala, de forma que Eillen passou a denomina-la mentalmente como “coisa” até descobrir o que era de fato. Então, a coisa tinha uma espécie de capa de tecido, presa por quatro pontos ao corpo, que era cilíndrico e transparente. Depois de uma pequena reflexão, ela percebeu que o tecido parecia um para-quedas, e concluiu que servia para reduzir a velocidade da coisa e explicava o fato de ela não ter sumido areia a dentro.

            Eillen queria pegar a coisa para olhar melhor, estava curiosa, mas também tinha reservas.. e se fosse venenoso? ou tivesse ácido? ou explodisse? Ficou olhando de todos os ângulos possíveis sem tocar, e percebeu letras na parte transparente.

             _E... D... V... minhas iniciais... e parece que existe um papel dentro do cilindro... que se dane, vou pegar... é para mim mesmo, e seja o que Deus quiser...

            Ela pegou o cilindro com delicadeza e o virou nas mãos. Procurou travas, aberturas, roscas, parafusos, soldas, fissuras, qualquer coisa que indicasse um modo de abri-lo ou de retirar o papel, mas foi impossível. Por fim se irritou e jogou o cilindro em uma pedra. Ele bateu e quicou, e ao tocar a pedra novamente, a parte transparente se estilhaçou e virou pó, e o papel esvoaçou. Surpresa, Eillen pegou o papel, que também continha suas iniciais, e o abriu.


               “Eillen

               hoje lembrei de quando passávamos a maior parte do dia brincando juntos. Lembra de nossa brincadeira preferida? Sinto falta disso.

                                                                            Te amo,
                                                                                   J. V.”


             Já em seu quarto, enquanto lia pela centésima vez, Eillen ficava cada vez mais perplexa e furiosa. O pai só poderia estar de brincadeira, enviando um bilhete idiota desses. E mandando entregar daquela forma! Duas semanas, duas semanas sem sequer um olá, e quando resolve entrar em contato, é isso que ele diz? Ela amassou o bilhete e jogou longe, e foi tomar um banho de mar.

             Mais uma semana se passou, e o bilhete de Jeremiah passou do canto atrás da mesa para a bancada de estudo, depois para dentro de um livro, para a porta da geladeira, depois para a mesinha da varanda, para a gaveta da cômoda, foi rasgado e remendado com fita adesiva, e voltou para bancada de estudo, onde Eillen o encarava fixamente, sem sequer mudar de posição, a mais de uma hora. As ondas de raiva já haviam se esgotado, e era a voz do pai que repassava as palavras já decoradas do bilhete em sua cabeça. Por que raios o pai se dera ao trabalho de escrever aquilo? Não fazia sentido.

            Sem perceber, acabou seguindo suas lembranças até aqueles momentos de brincadeira com o Jeremiah, a tanto deixados para trás. Eles costumavam brincar de todas as coisas possíveis: bonecas, corrida de carrinhos, chá da tarde, comidinha, jogo de taco, bolinhas de gude, andar de bicicleta e de patins, e até de skate uma vez. Era a época em que eles viveram por mais tempo em um mesmo local. Depois passaram a mudar de endereço uma ou duas vezes por ano, e esse mudar envolvia sair da cidade, do estado, do país, e até do continente. Era uma das razões de ter sido solitária durante a vida escolar. Foi determinante em sua decisão de frequentar colégios internos na adolescência. Em meio às recordações, Eillen percebeu que sentia falta do pai, afinal ele fora a única coisa constante em sua vida. Lágrimas rolaram enquanto ela andava a esmo pelos cômodos da casa, olhando aqui e ali sem saber bem o que estava procurando.

           Ao passar pela pequena biblioteca, notou que havia algo diferente. Algo estava fora do lugar, e ela não conseguia identificar o que era. Ficou alguns minutos observando tudo, mas não descobriu o que estava errado, e não era para menos, pois foi o único lugar da casa que não visitou desde que voltara. Ao sair, de repente lembrou que a brincadeira que mais gostava era uma espécie de caça ao tesouro, que começava com uma pequena mudança em um dos locais da casa, algo que fosse difícil de perceber, e que deveria conter uma pista do caminho e do conteúdo do tesouro escondido. Voltou a biblioteca e passou a olhar cada detalhe, cada canto, e percebeu um livro que havia sido colocado de ponta cabeça na estante.

28 de junho de 2013

Parte 1

            Fazia 32º na ilha. O céu azul se estendia, pontilhado de gaivotas e pequenas nuvens.


           A paisagem era bucólica, típica de um oásis mediterrâneo, mas Eillen não a via mais. Não podia suportar  a luz sol refletindo as cores vivas da mata, o brilho do mar. Não podia mais ouvir o som da maré, das folhas das palmeiras balançando debilmente ao vento, dos pássaros costeiros cantarolando... Vivia ali há um ano, mas era a primeira vez que passava tanto tempo sem sair da ilha.


           Eillen acabara de concluir os estudos básicos em uma escola para moças, então antes apenas vinha visitar o pai em finais de semana. Nestas ocasiões, amava a ilha deserta e misteriosa, amava banhar-se nas águas tranquilas das margens da ilha. Agora, depois de duas semanas inteiras, queria ver concreto de novo.


           Estar sozinha na ilha tornava tudo pior. Não que já tivesse muita companhia antes, mas Jeremiah, seu pai, vivia ali, então pelo menos tinha a ele para conversar. Jeremiah fazia trabalhos esporádicos e obscuros, sobre os quais Eillen já desistira de perguntar, e era em um desses que ele estava agora... Não havia o que fazer, o único barco que havia estava com ele. O celular funcionava raramente, e mesmo que estivesse, o pai não usava um...


           Caminhando pela orla, ela fingia que poderia sair a nado, sem ter que se preocupar pois aguentaria tranquilamente a distância até o continente, porque certamente logo chegaria uma lancha que a resgataria de alto mar e a levaria segura até qualquer lugar, de onde ela poderia fugir logo depois e sumir pelo mundo... sua imaginação era forte, ela caminhava de olhos fechados, conhecendo já cada centímetro da pequena praia. A imaginação era tão forte que ela podia ouvir o som da lancha, um motor ao longe, que vinha se aproximando rápido.


          "Peraí!!! Eu não tenho imaginação tão boa assim... " Neste pensamento, Eillen interrompeu sua caminhada e se virou em direção ao som, e sim, lá vinha uma lancha. Enquanto aguardava, pensou que poderia ser uma má noticia sobre o pai, afinal, sabe-se lá com o quê ele estava trabalhando... poderia ser a máfia de algum pais, ou o mercado negro, ou alguma sociedade secreta...


            Eillen aguardou impaciente que a lancha enfim chegasse e mostrasse a que veio...